domingo, 14 de outubro de 2007

O Critério de Qualificação como Boca Livre

O professor Freiermund formalizou o FLQC- Free Lunch Qualifying Criterion (Critério de Qualificação como Boca Livre), que pode ser usado para analisar eventos especialmente complexos. O formalismo define três parâmetros fundamentais:

PV – Perceived Value (valor percebido): o valor do evento, tal como percebido pelo usuário. Uma estimativa pessimista pode ser feita, tomando-se por base o quanto custaria uma refeição de qualidade equivalente, em um restaurante de padrão compatível com o ambiente do evento. Entretanto, esse valor pode incluir componentes intangíveis, como a suposta transferência de status do patrocinador para o usuário.

PC – Perceived Cost (custo percebido): o custo do evento para o usuário. Normalmente, já que o evento é candidato a Boca Livre, a maioria das parcelas deste custo é intangível: a perda de uma oportunidade de ficar em casa lendo um bom livro ou vendo um bom filme, o incômodo da viagem, os riscos da cidade, o possível encontro com gente chata etc.

ST – Significance Threshold (limiar de significância): valor abaixo do qual o usuário não tem a sensação de estar levando vantagem. Os xenoetólogos brasileiros costumam chamar este parâmetro de limiar de Gérson. Para usuários pouco exigentes, este valor pode ser zero.

Diz então o Critério de Qualificação como Boca Livre:

Um evento se qualifica como Boca Livre se e somente se PV – PC > ST.

Aplicando o formalismo: almoços de mamãe

Um exemplo de aplicação do formalismo responde à pergunta de uma leitora:

O que dizer do almoço de domingo, aquele que normalmente as mães fazem para atrair os filhos? Por que mãe adora usar comida para manter filhos por perto? E por que funciona?

Resposta do Professor Freiermund:

Almoços semanais com a mamãe são uma tradição bem latina; nas culturas anglo-germânicas, as mães se dão por felizes se conseguirem congregar as famílias em umas poucas ocasiões anuais, como o Dia de Ação de Graças, o Natal, a Páscoa ou o Dia das Mães. De qualquer maneira são eventos complexos, com vários parâmetros intangíveis.

Atendendo ao pedido do ilustre Professor, complementei a resposta dele com uma análise formal, baseada no FLQC. É essa análise que exponho a seguir.

ST é normalmente fixo para um dado usuário, e independente do evento. Para avaliar certo evento, portanto, basta estimar PV e PC.

No caso dos almoços de mamãe, a componente tangível de PV não é, normalmente, muito alta, exceto se a mãe em questão for realmente uma perita culinária. Mas existe um componente intangível que depende muito da relação filial. Para filhos com sentimentos de culpa, por exemplo, o evento pode ter um alto valor de feel good.

Já PC é extremamente individual, e cada usuário tem que avaliar o seu. Ele varia, inclusive, com a época, a ocasião e o estado de espírito do usuário. Na realidade, a maioria dos questionamentos, quanto a almoços de mamãe, aniversários e outro eventos candidatos, decorre do grau de incerteza na medição de PC. Os xenoetólogos estudam diversos modelos para medição desse parâmetro, mas trata-se de pesquisa ainda incipiente. Contribuições são bem-vindas.

Discussão

A leitora contesta:

Será o PC realmente mensurável a priori, antes de se participar do evento? Não seria o PC subjetivo, dependendo do saco momentâneo do potencial cliente, mais do que de qualquer outra coisa? Afinal, quando realmente queremos ir a um lugar, fazemos pequenos sacrifícios, mas, quando não, inventamos qualquer desculpa, até das mais absurdas. Seria viável uma espécie de calculadora de saco, com parâmetros como: idade, estado civil, filhos, profissão?...

Componentes intangíveis

A estimativa dos componentes intangíveis de PV e PC é, sem dúvida, bastante difícil. Dentro da sociologia eleuterostomática, a posição mais radical é da escola intuicionista. Ela sustenta que a avaliação intuitiva de PV e PC seria bastante confiável, como corolário do Princípio de Freiermund, e, que portanto, se existe a menor dúvida sobre se um evento se qualifica como Boca Livre, é porque não se qualifica.

Mas a corrente majoritária rejeita essa tese radical, tendo em que vista que ela levaria a desprezar um grande número de eventos candidatos, e que as pessoas raramente sairiam de casa, se fossem levá-la às últimas conseqüências.

Todos os modelos formais até hoje propostos para estimativa dos componentes intangíveis levam a conjuntos de equações não-lineares e, em muitos casos, estocásticas e variantes no tempo. Conforme a Teoria do Caos, isso anula o valor desses modelos como preditores. Parece mais promissora uma abordagem na linha sugerida pela leitora: simuladores heurísticos baseados em questionários como perguntas simples e objetivas. Por exemplo, no caso de almoços de mamãe, contaria pontos positivos a pergunta:

Há parentes que contam piadas novas e realmente engraçadas?

Já pontos negativos seriam atribuídos à pergunta:

Há parentes que perguntam se é pavê ou pacomê?

Os próprios questionários poderiam ser aperfeiçoados por um processo evolutivo, através da comparação dos valores estimados e reais de PV e PC, por meio de entrevistas realizadas a posteriori.

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