domingo, 22 de abril de 2007

Citações do Livrinho Dourado – II

A Idade Moderna

Veio a Idade Média, e depois a Idade Moderna, e as cortes dos reis e de potentados menores passaram a funcionar como bocas livres permanentes, com o grau de magnificência permitido pelas posses e pelo poder de cada governante. Porque iria um nobre francês assistir às solenidades de defecação do Rei Sol, senão pelo conseqüente privilégio de passar a existência degustando os acepipes e vinhos de Versalhes?

Quando preciso de um exemplo realmente chocante do que as pessoas estão dispostas a fazer por uma Boca Livre, menciono as cerimônias de defecação real em Versalhes. Patrocinadores de Bocas Livres, atenção: não exijam menos do que isso de seus convidados; caso contrário, eles não os respeitarão.

A Era Contemporânea

No mundo contemporâneo, a Boca Livre continua a atrair pessoas como a lâmpada atrai mariposas. Ricos e famosos dependem das Bocas Livres para se manterem presentes na mídia, principalmente nas revistas de consultório de dentista. Recém-ricos e recém-famosos dependem da Boca Livre para obter a homologação de seu novo status. Ex-ricos e ex-famosos continuam a penetrar nas Bocas Livres que conseguem, para tentar retornar aos círculos dourados, mesmo sentindo a agridoce saudade dos bons tempos. Dante disse que nessun maggior dolore che ricordarsi del tempo felice nella miseria, mas a dolorosa lembrança do tempo feliz é bem anestesiada por uma Boca Livre caprichada.

Enfim, aspirantes a ricos e famosos devem freqüentar as Bocas Livres como estágio probatório indispensável. No início da carreira, devem fazer por onde serem convidados para as Bocas Livres mais promissoras; uma vez que tenham adquirido fortuna ou fama suficiente, passam a ser recém-ricos ou recém-famosos, recaindo-se em um dos casos anteriores.

A Democracia

Nos tempos modernos, a Boca Livre globalizou-se, profissionalizou-se e democratizou-se. Ela existe através dos almoços de negócios dos executivos, dos banquetes e coquetéis dos congressos científicos, dos vernissages dos artistas plásticos, das noites de autógrafos dos escritores. Não é exclusividade dos privilegiados; conforme o lugar, os grupos sociais das periferias urbanas se congraçam em torno de churrascos, feijoadas, mocotós, macarronadas ou maioneses, e dos correspondentes em outras culturas. Ai do político moderno que não se dispuser a degustar a maionese e a farofa do eleitor e, vez por outra, os mais ambiciosos têm que arriscar até uma buchada de bode.

Nota de Basileu Xilóforo: os nomes das iguarias foram adaptados a nossa cultura. No original inglês, o professor Freiermund se refere a pratos populares anglo-saxônicos. Adotei a buchada como substituto do haggis escocês.

Um comentário:

Babs disse...

Ótimos fragmentos dessa ilustre obra " Introdução aos fundamentos teóricos da ciência do comer de graça".
Assunto que, pelo que foi dito, não perde o status de atualidade.