A Pré-História
Um dos primeiros antropóides a usar armas abateu um mamute e chamou todos os parentes, vizinhos, amigos e amigos dos amigos à primeira das Bocas Livres. O caçador de mamutes obteve retorno na forma de influência, alianças e fêmeas de boa parição, propagando seus genes e perpetuando a estirpe. Bem nutridos, os comensais da boca livre pré-histórica também se perpetuaram, reforçando o que se denomina eleuterostomatotropismo: a irresistível atração da Boca Livre. O processo seletivo refinou as próprias bocas livres: os que sabiam fazer o fogo podiam oferecer quitutes de carne cozida, e as bocas livres destes eram as mais disputadas: A Boca Livre também é motor do progresso técnico.
A Antiguidade
Os nômades superavam os caçadores porque podiam oferecer carne de bois e carneiros, mais macia que as rijas carnes de caça, principalmente quando ainda não se dominava de forma segura a técnica do faisandé. Os agricultores por sua vez superaram os nômades, pois podiam oferecer o pão e outros derivados dos cereais, e principalmente a cerveja e o vinho. Desde então, o álcool tornou-se ingrediente quase obrigatório da Boca Livre.
A partir daí, a Boca Livre tornou-se elemento indispensável do tecido social dos agrupamentos humanos. Através das idades, podemos identificar os estágios da Boca Livre em cada sociedade: os grandes festivais dos gregos, manipulados por seus astutos políticos, fossem tiranos ou democratas; os muitos episódios bíblicos de Boca Livre; o pão e circo com que as elites romanas sustentaram seu Império por tantos séculos.
Pão e Circo
Tal como ocorreu nos campos político e jurídico, permanece até hoje a concepção romana da Boca Livre, centrada no panis et circenses. O pão sem circo jamais se caracteriza como Boca Livre: ninguém aplicaria este termo a um sopão de uma organização filantrópica. O circo é que contribui o ingrediente lúdico e prazeroso, necessário ao fascínio da instituição. Mas, ao longo dos séculos, o conceito muito evoluiu. A plebe romana precisava do sangue dos gladiadores e dos cristãos. Hoje, o lado circense atingiu um nível de refinamento e abstração que beira o zen: a Boca Livre se tornou auto-referencial. O próprio evento é o espetáculo; o salão de festas é o picadeiro; o ver e ser visto é a performance.
O aspecto lúdico explica também por que as melhores Bocas Livres são aquelas em que se penetra sem convite.
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