Segundo se conta em Gênesis 38, Judá, filho de Jacó, teve três filhos varões: Her, Onan e Sela. Her, o primogênito, casou-se com Tamar; mas era um mau sujeito, e por isto foi castigado com a morte prematura. Conforme costume da época, Judá ordenou a Onan que desposasse a cunhada. Ocorre que, também conforme o costume, os filhos seriam considerados descendência do falecido. Onan não gostou da idéia de ficar sem posteridade, e praticou o coitus interruptus. Por isto, também foi punido com a morte prematura.
O inusitado, no caso, é que Onan ficou com fama de onanista. Injusta, como se vê, pois o que ele realmente fez foi tirar o dele fora. Mas pecado de Onã não foi nem esse, e sim o descumprimento da lei do levirato, privando o irmão morto de posteridade, conforme as regras do jogo do judaísmo da época:
8. Então Judá disse a Onã: “Vai, toma a mulher de teu irmão, cumpre teu dever de levirato e suscita uma posteridade a teu irmão.” 9. Mas Onã, que sabia que essa posteridade não seria dele, maculava-se por terra cada vez que se unia à mulher do seu irmão, para não dar a ele posteridade. 10. Seu comportamento desagradou ao Senhor, que o feriu de morte também.
E a história continua de forma talvez ainda mais inusitada:
11. E Judá disse a Tamar, sua nora: “Conserva-te viúva em casa de teu pai até que meu filho Sela se torne adulto.” “Não é bom, pensava ele consigo, que também ele morra como seus irmãos.” E Tamar voltou a habitar na casa paterna. 12. Muito tempo depois, morreu a filha de Sué, mulher de Judá. Passado o luto, subiu Judá a Tamna para a tosquia de suas ovelhas, com seu amigo Hira, o odolamita. 13. E foi noticiado a Tamar: “Eis que o teu sogro sobe a Tamna para a tosquia de suas ovelhas.” 14. Depôs ela então os seus vestidos de viúva, cobriu-se de um véu, e, assim disfarçada, assentou-se à entrada de Enaim, que se encontra no caminho de Tamna, pois via que Sela tinha crescido e não lha tinham dado por mulher. 15. Judá, vendo-a, julgou tratar-se de uma prostituta, porque tinha o rosto coberto. 16. E, chegando-se a ela no caminho, disse: “Queres juntar-te comigo?” (Ignorava ele que se tratava de sua nora.) Ela respondeu: “O que me darás para juntar-me contigo?” 17. “Mandar-te-ei um cabrito do meu rebanho.” “Está bem; mas dá-me então um penhor, até que o tenhas enviado.” 18. “Que penhor queres que eu te dê?” “Teu anel, teu cordão e o bastão que tens na mão.” Ele os entregou; em seguida, aproximou-se dela e ela concebeu. 19. E levantando-se, partiu; tirou o seu véu e retomou seus vestidos de viúva. 20. E Judá mandou-lhe o cabrito por seu amigo, o odolamita, para retirar o penhor das mãos daquela mulher, mas ele, não a encontrando, 21. perguntou aos habitantes do lugar: “Onde está aquela prostituta que estava em Enaim, à beira do caminho?” Responderam-lhe: “Não há prostituta nesse lugar!” 22. Ele voltou para junto de Judá: “Não a encontrei, disse ele, e os moradores daquele lugar disseram-me que não havia nenhuma prostituta ali.” 23. “Guarde ela o meu penhor, respondeu Judá, não nos tornemos ridículos! Eu mandei o cabrito; tu, porém, não a encontraste”. 24. Mais ou menos três meses depois, vieram dizer a Judá: “Tamar, tua nora, conduziu-se mal: vê-se que está grávida.” Judá respondeu: “Tirai-a para fora, que ela seja queimada!” 25. E, enquanto era conduzida, ela mandou dizer ao seu sogro: “Concebi do homem a quem pertence isto: examine bem, ajuntou ela, de quem são este anel, este cordão e este bastão.” 26. Judá, reconhecendo-os, exclamou: “Ela é mais justa do que eu; pois que não a dei ao meu filho Sela.” E não a conheceu mais. 27. E, na ocasião de dar à luz, eis que ela trazia dois gêmeos no seu ventre. 28. No parto, saindo uma mão, a parteira tomou-a e atou nela um fio vermelho, dizendo: “Este é o que saiu primeiro!” 29. Mas, como ele retirasse a mão, saiu o seu irmão. “Que brecha fizeste! exclamou a parteira: Que a brecha esteja sobre ti!” 30. E chamou-se-lhe Farés. Em seguida, veio o seu irmão, com o fio vermelho atado na mão. Deu-se-lhe o nome de Zara.
Como se vê, a lei do levirato justificava até fingir-se de prostituta para seduzir o sogro. E essa história de Que brecha fizeste! seria considerada como de humor rude, se contada em um salão. Parece piada de ginecologista.
Para deixar claro que não estou simplesmente zombando das Escrituras, acrescento aqui o que escrevi n'A Grande Fênix:
Note o leitor que essas histórias de libertinagem no Velho Testamento não significam que o Livro seja um repositório de sacanagens, como até imaginam alguns que nunca o leram. Significam apenas que a Bíblia contém um rico conjunto de narrativas com personagens bastante humanos, com todas as altezas e baixezas dessa condição. Quem fica mal, julgo eu, são aqueles gostam de usar citações literais de escrituras de qualquer religião para justificar os comportamentos mais inusitados.
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