Coisa, de resto, assaz conhecida em bairros, cidades do interior, empresas, escolas, famílias e outras organizações. Mas é a conclusão de um estudo do biólogo Ralf D. Sommerfeld, que analisa uma aplicação prática da Teoria dos Jogos. Mais de uma centena de voluntários participou de uma série de jogos. Os jogadores atuavam em duplas, tendo, em cada jogada, a opção de cooperar com o parceiro ou traí-lo. As regras eram tais que um jogador ganharia se traísse, mas não se o parceiro contasse com a possível traição. Portanto, era preferível construir a reputação de ser confiável.
Segundo o pesquisador, em notícia publicada no Estadão:
Em uma situação natural é improvável que possamos observar todas as pessoas com quem interagimos todo o tempo. É particularmente impossível 'ter estado observando' pessoas com quem só vamos interagir no futuro. Antropólogos e biólogos evolucionários supunham que essa informação (que não vem da observação) é adquirida por meio da fofoca.
Segundo o pesquisador, o novo estudo confirma a hipótese de que a fofoca transmite informação, e que essa informação é levada a sério. Só não se esperava que fosse levada tão a sério.
Em uma das rodadas do jogo, os participantes receberam relatórios com todas as jogadas anteriores feitas pelos colegas - quantas traições e quantas cooperações - além de uma fofoca artificial, que podia ser tanto positiva quanto negativa. A expectativa dos cientistas era de que, tendo o relatório para se basear, os jogadores ignorariam a fofoca na hora de decidir como interagir com o colega.
A suposição se mostrou falsa: 44% dos participantes do jogo mudaram de decisão ao tomar conhecimento da fofoca. Desses, 79% (ou 35% do total) decidiram cooperar sob a influência de fofoca positiva ou trair na presença de fofoca negativa. Com o nível de cooperação médio do jogo na ausência de fofoca em 62%, a presença de fofoca positiva elevou a taxa a 75%. Já a de fofoca negativa reduziu-a a 50%.
Fofoca tem um forte potencial para manipulação, que pode ser usado por trapaceiros para mudar a reputação de terceiros ou a própria, conclui o estudo.
A Teoria dos Jogos, que foi a base do experimento, ganhou o Nobel de Economia de 2007, com o trabalho de Leonid Hurwicz, Eric Maskin e Roger Myerson. A mesma Teoria já tinha dado o Nobel a John Nash, retratado no filme Uma Mente Brilhante.
A conclusão é confirmada por artigo do psicólogo social Frank T. McAndrew, em artigo no número de outubro de 2008 da Scientific American Mind (resumo aqui). Segundo ele, fofoca é um fenômeno mais complicado e socialmente importante do que pensávamos. É um subproduto da psicologia que evoluiu nos tempos pré-históricos para permitir que nossos ancestrais sobrevivessem e prosperassem em suas comunidades.
Segundo .McAndrew, a fofoca tem vários aspectos positivos: a confiança no parceiro de fofoca, a ligação causada pela partilha de segredos, o aprendizado de regras sociais e culturais não escritas, a lembrança de importância de regras e valores sociais, o desencorajamento de comportamentos contrários às normas estabelecidas, e, talvez o principal, ser o meio mais direto de se comparar socialmente com os outros.
O autor argumenta que a fofoca faz parte de nossa identidade, e parte essencial do funcionamento dos grupos, e deveria ser vista como uma proficiência social, e não como um defeito de caráter. Mas, diz ele, há que se fofocar na medida certa: fofoque demais, e será visto como não confiável; de menos, e se isolará socialmente. O bom fofoqueiro seria aquele que partilha informação importante, mas sem parecer que está agindo no interesse próprio, e sabendo calar a boca na hora apropriada. E, finalmente, a fofoca seria um lubrificante importante das conversas do dia a dia.
Bem, eu devo ser meio esquisito, pois acho que estranho mesmo é considerarem-se positivas todas essas coisas. E as conclusões da pesquisa parecem uma confirmação do valor prático do cinismo...
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